Portugal em goles
Para entender (vinho) português, prove uma taça cheia de história.
Por Mauricio Szapiro
Muitos têm uma experiência na terrinha para contar. Uma viagem, um restaurante especial, um vinho, enfim, uma boa lembrança.
Temos a quem puxar: centro de Lisboa ou do Rio?
Passei a virada do século em Lisboa e depois parti para alguns dias rodando em Portugal. Em 2008, tive a oportunidade de passar 3 dias na Quinta do Noval, no Douro, visitando as vinhas, os tonéis de Vinho do Porto, os lagares e, claro, provando muitos exemplares (estava tão bom que quase perdemos o avião de volta, eu e meu grande parceiro Mauricio Kaufman). Em 2011, na volta da Estremadura na Espanha, nova oportunidade no Alentejo e Lisboa. Foram 3 visitas a Portugal, sempre deixando o gostinho de “quero mais” e muitas histórias para contar.
Em 3D: Vintage, LBV ou Tawny, no Instituto do Vinho do Porto e Douro
Mas a minha experiência mais recente com vinhos portugueses foi aqui mesmo no Rio: num dia inteiro de degustação e boas conversas na ABS com Rui Falcão, respeitado jornalista da revista Wine: A essência do Vinho, que apresentou um completo panorama da atual vitivinicultura portuguesa. Depois de muita informação e nada menos que 26 vinhos, saí (de taxi, claro) animado para compartilhar os assuntos.
Para começar, algumas perguntas que nos perseguem quando olhamos uma lista de vinhos portugueses, com aquela infinidade de nomes esquisitos de uvas que compõem cortes, às vezes, com até 10 diferentes castas. Sim, foram já reconhecidas mais de 300 diferentes tipos de uva naquele pequeno país. Como Portugal só tem 2 fronteiras, uma com o mar e outra com a Espanha, as uvas autóctones foram se cruzando e dando origem a este número impressionante. Por outro lado, foram 1200 anos de lutas entre Portugal e o reino de Castela, um isolamento geográfico que só fez com que Portugal começasse a se sentir “europeu” mais recentemente.
Quem leu o livro “Jangada de Pedra”, do Saramago, poderá entender melhor o sentimento dos patrícios.
Quanto aos cortes, a explicação é simples: as vinhas sempre foram plantadas com diversas castas misturadas. Era uma maneira de se proteger nos anos ruins e garantir alguma colheita, pois os possíveis problemas não afetavam todas as castas ao mesmo tempo. Interessante é notar que muitas vinhas foram replantadas com monovarietais, mas até hoje 15% das parcelas continuam misturadas, e há uma tendência de volta ao velho modelo para manter a característica única dos vinhos portugueses.
Talvez ainda não tenham reparado, mas com este texto não quero menos do que tornar vocês, caros leitores, grandes admiradores de vinhos portugueses, assim como eu. Para isso, a solução é trivial e nada dolorosa: degustar é preciso! E, claro, um pouco de informação ajudará na hora das escolhas.
Abaixo, algumas definições baseadas na ilustre apresentação de Rui Falcão, com as quais dou apenas uma pincelada nesse complexo universo “enolusitano”:
Regiões DOC (ou DOP): Portugal tem 31 DOC (Denominação de Origem Controlada) ou DOP (Denominação de Origem Portuguesa), com fronteiras geográficas bem delimitadas, regras para rendimentos máximos de produção por hectare, castas permitidas, dentre outras muitas exigências.
Vinho Regional (IG ou IGP): “IG” significa “Indicação Geográfica” e “IGP” é “Indicação geográfica protegida”. São 14 zonas com regras bem menos restritas do que as DOC, mas ainda assim produzem vinhos de grande prestígio.
Vinho de mesa: São certamente os mais simples de Portugal, sem muitas regras estabelecidas de produção. Podem ser vinhos de qualidade, ainda assim, com castas internacionais e outras informações padronizadas no rótulo, como os vinhos do Novo Mundo.
Dentre as principais regiões produtoras, estão:
Douro: Primeira região demarcada e regulamentada, não apenas de Portugal, mas do mundo, em 1756. A primeira DOC! A ideia foi do Marques de Pombal, que queria garantir a qualidade dos vinhos exportados para a Inglaterra. É definitivamente uma das minhas regiões preferidas, com tintos escuros, vigorosos e intensos, mas delicados ao mesmo tempo, opacos, com frutos vermelhos maduros e notas vegetais, bom corpo. Isso sem falar no vinho do Porto, uma grande paixão, com sua pungência alcóolica e doçura, acompanhamentos perfeitos para sobremesas e um dos poucos casamentos prováveis para chocolate.
Principais castas: são mais de 50!
- Touriga Nacional
- Tinta Roriz
- Touriga Franca
- Tinta Barroca
- Tinto Cão
- Sousão
- Vinhos em destaque:
- Quinta do Crasto Vinhas Velhas 2009, vinificado com mais de 20 variedades (vinhas velhas não foram replantadas). Assim como para vinhos de outras regiões, vinhas velhas resultam em vinhos com taninos sem adstringência.
- Quinta da Gaivosa 2005
Dão: Considerado o melhor terroir para a produção da Touriga Nacional. São vinhos de aroma e sabores complexos e delicados, muito elegantes e encorpados e com uma acidez excepcional – característica que acho imprescindível num bom vinho. Mais duros quando jovens, possuem um grande potencial de envelhecimento.
Principais castas:
- Encruzado,
- Touriga Nacional,
- Alfrocheiro,
- Tinta Roriz e
- Jaen
- Vinho em destaque: Quinta dos Roques 2005 (escutou-se um “wow” na sala…)
Bairrada: A terra de um suculento leitão assado no espeto e do famoso fazedor de vinhos Luis Pato, fica na região centro-oeste de Portugal, beirando o Atlântico.
Principais castas:
- Baga,
- Fernão Pires (Maria Gomes),
- Bical,
- Touriga Nacional
Vinhos:
Tem brancos com cor verdeal carregada, aromas frutados, sabor fresco e persistente; boa graduação alcoólica; elevada acidez, com bom potencial de envelhecimento.
Com Luis Pato à frente, a Bairrada vem revolucionando a arte de elaborar vinhos com sua uva típica, a baga. Já faz sucesso por aqui a produção de espumantes e vinhos rosés, e tintos com boa expressão, acidez média e agradável concentração de taninos
Lisboa: Atual nome da região de Estremadura produz vinhos delicados e simples, mas gostosos, que dependem da posição relativa das vinhas.
Principais castas:
- Arinto,
- Bastardo (!),
- Trincadeira
Vinhos:
Brancos frescos e firmes (Arinto); tintos frutados.
Tejo: Ex-Ribatejo, região de vinhos equilibrados, com aromas frutados, fáceis de beber. É a melhor zona agrícola de Portugal.
Principais castas
- Fernão Pires,
- Castelão
- Trincadeira.
Vinhos em destaque:
Donde de Chocapalha 2011; Conde de Vimioso Reserva 2008.
Península De Setúbal: Sua uva tinta principal é a Castelão, ou Periquita, para os íntimos (o nome de um dos vinhos mais vendidos por aqui).
Principais castas:
- Moscatel de Setúbal,
- Castelão,
- Fernão Pires
- Moscatel roxo (vinhos fantásticos para os doces portugueses)
- Castas internacionais
Vinhos:
Tintos: com maturação rápida, com notas de groselha e framboesa. Bom potencial de envelhecimento. Exemplo – Vale da Judia Castelão 2009.
Moscatel de Setúbal: branco fortificado com longo envelhecimento em carvalho, com aromas de noz, passas e mel.
Alentejo: Região que produz 50% dos vinhos vendidos em Portugal, é a terra da Alicante Bouschet, resultado do cruzamento de uvas Garnacha e Petit Bouschet, desenvolvida pelo francês Henry Bouschet. A Alicante dá corpo e estrutura aos vinhos do Alentejo e, junto com a Aragonês, prima da Tempranillo espanhola, compõe grande parte dos vinhos da região.
Principais castas:
- Aragonês,
- Trincadeira,
- Alicante Bouschet,
- Antão Vaz,
- Roupeiro
Vinhos: Encorpados, Frutados, Compotados, Taninosos
Em destaque: Tinto da Ânfora 2006; Solar dos Lobos 2008; Mouchão 2006.
Vinhos Verdes: Para quem ainda não teve chance ou curiosidade, acho que é uma região a explorar. Vinhos de sabor e frescor únicos, sendo a Alvarinho a solista regional.
Principais castas:
- Alvarinho
- Arinto/Pedernã
- Loureiro
- Vinhão
Vinhos em destaque: Quinta do Melgaço 2011; Morgado de Santa Catarina 2008.
No geral, são vinhos leves, frescos, acídulos, minerais, com aromas de maçã e limão.
E para finalizar – afinal, o texto acabou enorme, proporcional, portanto, ao meu encanto com os vinhos portugueses -, devo dizer: se está sem tempo para ir a Portugal e testar todo o roteiro, aqui no Selo Reserva nosso objetivo é oferecer o que de melhor encontramos no mercado. Vai nessa!